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Foto do escritorGrupo de Estudos em Transtornos do Movimento

Anatomia funcional e fisiologia dos núcleos da base


Nós pretendemos com essa aula descrever as estruturas anatômicas que chamamos coletivamente de núcleos da base, e suas conexões. Vamos também descrever o papel desses núcleos no controle motor normal e citar brevemente algumas alterações relacionadas a eles.





Historicamente, observou-se que lesões nas estruturas dos núcleos da base resultam em transtornos do movimento, além de impactarem outras funções. Esses núcleos estão envolvidos em uma ampla gama de funções motoras e não-motoras, o que se deve à sua extensa conexão com outras regiões do cérebro. Os núcleos da base são um conjunto de núcleos subcorticais que incluem o globo pálido, putâmen, núcleo caudado, núcleo acumbens, núcleo subtalâmico, corpo amigdaloide, núcleo basal de Meynert, claustrum e substância negra.


Parte I - Anatomia


Estriado


O estriado é composto por três regiões principais: o núcleo caudado, o putâmen e o núcleo accumbens. Juntas, essas estruturas formam a principal área de entrada de informações para os núcleos da base. O estriado é caracterizado pela sua alta densidade celular, consistindo majoritariamente de dois tipos de células: os neurônios espinhosos médios (MSN) e interneurônios.


Núcleo Caudado


O núcleo caudado é uma estrutura arqueada de substância cinzenta, acompanhando a curvatura do ventrículo lateral. Sua cabeça se funde com o núcleo lentiforme, enquanto sua cauda se conecta ao corpo amigdaloide.


Putâmen


Localizado entre a cápsula externa e o globo pálido, o putâmen desempenha um papel crucial na modulação das funções motoras e não-motoras.


Núcleo Accumbens


O núcleo accumbens, ou corpo estriado ventral, situa-se de forma medial e ventral. É intimamente associado ao sistema límbico, refletindo sua importância em funções emocionais e de recompensa.


Tipos Celulares do Estriado


Neurônios Espinhosos Médios (MSN): Predominantemente GABAérgicos, estes neurônios de projeção formam a maior parte da população celular do estriado, recebendo aferências do córtex, mesencéfalo e interneurônios.


Interneurônios: Com quatro classes distintas, incluindo três GABAérgicas (inibitórias) e uma colinérgica, os interneurônios regulam a atividade dos MSN através de conexões intensas.


Receptores e Cotransmissores


As funções dos MSN são diferenciadas pelos seus receptores e cotransmissores. Notavelmente, os receptores DOPAminérgicos se dividem em:

D1: Localizados nos neurônios da via direta, promovem ação excitatória.

D2: Presentes na via indireta, têm ação inibitória.


Distribuição Somatotópica e Conexões Corticais


A organização somatotópica do córtex é preservada nos circuitos dos núcleos da base. Há uma conexão específica entre as áreas corticais sensoriomotoras, associativas e límbicas com o estriado. Por exemplo, no putâmen, a região lateral é primariamente responsável pelo processamento de informações relativas às pernas, enquanto a região ventral foca na face.


Globo Pálido


Localizado entre o putâmen e a cápsula interna, o globo pálido é notável por suas fibras mielinizadas, que lhe conferem uma coloração mais clara. É dividido em duas partes: o globo pálido interno (GPi) e o globo pálido externo (GPe), que estão intensamente conectados entre si. O GPe tem um papel crucial como estação de retransmissão para o núcleo subtalâmico, enquanto o GPi serve como uma estação de saída importante, conectando-se à substância negra.


Núcleo Subtalâmico


O núcleo subtalâmico é composto por neurônios de projeção glutamatérgicos. Ele desempenha um papel nas vias indireta e hiperdireta, influenciando a atividade motora.


Corpo Amigdaloide


Esta estrutura esferoide de aproximadamente 2cm de diâmetro, localizada no polo temporal do hemisfério cerebral, faz parte do sistema límbico. O corpo amigdaloide é central para o processamento de emoções.


Núcleo Basal de Meynert


Situado na região da substância inominada, o núcleo basal de Meynert concentra a maior parte das fibras colinérgicas que se projetam para o córtex. Este núcleo recebe aferências do sistema límbico e as retransmite para todo o córtex, desempenhando um papel fundamental na cognição e na memória.


Claustrum


O claustrum é uma fina camada de substância cinzenta localizada entre o córtex da ínsula e o núcleo lentiforme. Embora suas funções exatas permaneçam parcialmente desconhecidas, acredita-se que desempenhe um papel na coordenação de várias funções corticais.


Substância Negra


Localizada no tegmento ventral do mesencéfalo, a substância negra é dividida em pars compacta (SNc) e pars reticulata (SNr). A SNc, contendo neurônios dopaminérgicos cuja cor se deve à melanina, um produto do metabolismo da dopamina, é fundamental para o controle do movimento e funções relacionadas a recompensas. A SNr, que abriga neurônios gabaérgicos semelhantes aos do globo pálido, atua em conjunto com outras estruturas dos núcleos da base no processamento motor.


Tálamo


Embora o tálamo não seja um núcleo da base, ele é o principal destino das eferências desses núcleos, especificamente para os núcleos ventroanterior e ventrolateral. A informação, então, segue principalmente de volta ao córtex através de projeções glutamatérgicas talamocorticais, completando o circuito que influencia a execução e a regulação de movimentos e funções cognitivas.


Parte II – Circuitos e Conexões


Projeções Dopaminérgicas


Dentro do sistema nervoso central, três projeções dopaminérgicas principais emanam do mesencéfalo, desempenhando funções cruciais em diversos aspectos da neurofarmacologia dos núcleos da base:


  1. Via Nigroestriatal: Origina-se na substância negra pars compacta, projetando-se para o estriado. Esta via é fundamental para o controle dos movimentos e é profundamente afetada na doença de Parkinson.

  2. Via Mesolímbica: Estende-se da área tegmentar ventral às áreas límbicas, desempenhando um papel essencial na mediação de recompensas e emoções.

  3. Via Mesocortical: Envolve projeções dos neurônios mesencefálicos ao córtex, influenciando funções cognitivas e de decisão.

Diversidade de Neurotransmissores nos Núcleos da Base


Além da dopamina, os núcleos da base apresentam uma rica tapeçaria de sistemas neurotransmissores e neuromoduladores, incluindo canabinoides, adenosina, histamina, serotonina, glutamato, adrenoceptores e opioides. Esta diversidade bioquímica permite uma ampla gama de funções e interações complexas, fundamentais para a regulação da atividade motora e não motora.


Função Normal e Fluxo de Informações


Os núcleos da base funcionam como uma central de integração e organização de estímulos motores e não motores, coordenando emoções e movimentos, iniciando ações internamente geradas, ajustando movimentos finos, suprimindo movimentos indesejáveis e mediando sensações de recompensa. O fluxo de informações segue predominantemente através de uma alça córtico-estriado-tálamo-cortical, com o estriado recebendo aferências do córtex e do tálamo, e o GPi/SNr servindo como os principais pontos de saída de informações (eferências), direcionando-as ao tálamo e, em seguida, de volta ao córtex.


Circuitos e Vias


A interação entre as vias direta, indireta e hiperdireta é crucial para a modulação da atividade motora:

  • A via direta é ativada pelos receptores D1, facilitando o movimento ao diminuir a inibição (o output inibitório) feita pelo GPi sobre o tálamo

  • A via indireta é inibida pelos receptores D2, o que facilita a inibição feita pelo GPi sobre o tálamo e dificulta o movimento.

Além do circuito principal, existem circuitos moduladores como o nigro-estriado-nigral e o pálido-subtálamo-palidal, cujas lesões estão associadas a doenças como Parkinson e balismo, respectivamente.


Teorias de Processamento de Informações


Historicamente, duas teorias principais foram propostas para explicar o processamento de informações pelos núcleos da base: processamento paralelo e processamento convergente. A primeira sugere a separação dos circuitos corticais em cinco vias distintas, enquanto a segunda propõe a integração desses circuitos para processamento. Atualmente, reconhece-se que a realidade é mais complexa, e ambas as teorias podem coexistir, refletindo a intricada natureza do processamento neural nos núcleos da base.




Parte III – Fisiopatologia


Doença de Parkinson


A Doença de Parkinson é caracterizada por uma depleção de dopamina no estriado, resultando numa dinâmica alterada entre as vias direta e indireta. A diminuição da atividade da via direta e o aumento da via indireta levam a uma hiperatividade do globo pálido interno (GPi), o que resulta em uma maior inibição dos movimentos, manifestando-se clinicamente como bradicinesia e rigidez.


Discinesia, Incluindo Discinesia Induzida por Levodopa


As discinesias são movimentos involuntários que podem ser exacerbados pelo tratamento com levodopa. Uma hipótese para o desenvolvimento desses sintomas é a diminuição da estimulação do núcleo subtalâmico, o que reduziria a atividade do GPi e, consequentemente, facilitaria o movimento de forma descontrolada.


Sintomas Não-Motores


Além dos sintomas motores, muitos transtornos do movimento incluem sintomas não-motores cuja patologia é complexa e ainda não totalmente compreendida. Acredita-se que alterações nas regiões límbicas, como o núcleo accumbens, estejam envolvidas em comportamentos compulsivos observados na síndrome de Tourette, por exemplo. Da mesma forma, mudanças na distribuição dos receptores dopaminérgicos podem estar associadas a transtornos de controle de impulso em pacientes com Doença de Parkinson.


Implicações Terapêuticas


O entendimento da fisiologia dos núcleos da base fornece uma base sólida para o tratamento de distúrbios neurológicos, especialmente a Doença de Parkinson:


  • Tratamento Farmacológico: A levodopa, juntamente com os agonistas dopaminérgicos, constitui a pedra angular no tratamento da Doença de Parkinson, atuando para suplementar a dopamina perdida.

  • Opções Cirúrgicas: A terapia cirúrgica, incluindo a estimulação cerebral profunda, oferece uma alternativa para pacientes com doença de Parkinson moderada e complicações motoras, modulando a atividade dos núcleos da base de maneira mais direta.

  • Tratamento da Discinesia Induzida por Levodopa: O uso de amantadina e outros medicamentos não-dopaminérgicos, que atuam em vias alternativas como a glutamatérgica, demonstrou eficácia na gestão da discinesia, oferecendo novos caminhos para o manejo desses sintomas desafiadores.




 



 

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