As ataxias cerebelares autossômicas recessivas (ACARs) são um grupo de doenças heredodegenerativas caracterizadas pela ataxia cerebelar como uma característica clínica predominante. Focamos aqui naquelas em que a ataxia cerebelar é um sinal proeminente. A apresentação clínica da ACAR tipicamente revela distúrbios da marcha, dismetria dos membros superiores e inferiores, disdiadococinesia, hipotonia, disartria cerebelar e perseguição ocular sacádica. O início agudo da ataxia cerebelar é frequentemente devido a condições não-neurodegenerativas como AVC ou intoxicação e requer manejo distinto das ataxias neurodegenerativas crônicas.
Este texto discute as ataxias de herança autossômica recessiva, indicando a necessidade de ambos os pais serem portadores da variante patogênica. A doença frequentemente se manifesta antes dos 30 anos e pode variar amplamente na apresentação devido a diferentes mutações, mesmo dentro do mesmo gene.
A Ataxia de Friedreich é a forma mais comum de ACAR, caracterizada por transtorno da marcha, areflexia e perda sensorial. Pode envolver sintomas não neurológicos, como escoliose e cardiomiopatia. O diagnóstico é confirmado através de testes genéticos moleculares.
Discutiremos também outras formas de ACARs, como a ataxia-telangiectasia e a ataxia por deficiência de vitamina E, cada uma com seus perfis clínicos e genéticos singulares.
Uma combinação de avaliação clínica, ressonância magnética, testes genéticos e, às vezes, biomarcadores adicionais são necessários para um diagnóstico preciso. O tratamento é amplamente de suporte, incluindo fisioterapia, terapia ocupacional e manejo de sintomas específicos. Algumas formas, como a ataxia por deficiência de vitamina E, têm tratamentos mais específicos.
ATAXIAS CEREBELARES COM NEURONOPATIA SENSORIAL PURA
Ataxia de Friedreich
A frataxina é uma proteína codificada pelo gene FXN localizado no cromossomo 9q21.11, envolvida principalmente na biogênese de clusters de ferro-enxofre e na biossíntese de heme, essenciais para as funções mitocondriais. Estudos sugerem que a frataxina também atua como uma molécula de armazenamento de ferro, antioxidante e supressora tumoral. A proteína é expressa de forma abundante em tecidos com alta demanda metabólica, como coração e fígado, e é essencial para o correto funcionamento energético e antioxidativo das células.
A ataxia de Friedreich, causada por mutações no gene FXN, é a forma mais comum de ataxia cerebelar autossômica recessiva, caracterizada por sintomas neurológicos progressivos que incluem ataxia de marcha e dos membros, disartria, nistagmo, perda de propriocepção e sensibilidade vibratória, além de neuropatia sensorial periférica. Manifestações não-neurológicas incluem cardiomiopatia hipertrófica, diabetes mellitus e deformidades esqueléticas como escoliose e pé cavo. A doença manifesta-se tipicamente antes da adolescência e progride para incapacidade de deambulação em muitos casos. A compreensão detalhada das funções e disfunções associadas à frataxina é crucial para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes.
SANDO (neuropatia sensorial atáxica, disartria e oftalmoparesia)
O gene POLG, localizado no cromossomo 15q26.1, é essencial para a replicação do DNA mitocondrial em células humanas. Este gene codifica a DNA polimerase gama, que é composta por um domínio polimerase no extremo C-terminal e um domínio exonuclease no extremo N-terminal. O domínio exonuclease aumenta a fidelidade da replicação do DNA mitocondrial, conferindo à enzima uma atividade de revisão, essencial para minimizar a taxa de mutações durante a replicação do DNA mitocondrial. Está demonstrado que o POLG está associado com nucleoides mitocondriais e é uma proteína central nesses complexos, onde várias cópias do genoma mitocondrial e proteínas relacionadas à replicação e transcrição do mtDNA estão presentes.
A síndrome de neuropatia sensorial atáxica, disartria e oftalmoparesia (SANDO) é uma manifestação clínica associada a mutações no gene POLG. Caracteriza-se por uma combinação de neuropatia sensorial atáxica, disartria e oftalmoparesia progressiva externa. Os pacientes podem apresentar perda auditiva neurossensorial, disfunção vestibular, nistagmo e ptose. A ataxia é progressiva e piora na ausência de luz. Outros sintomas neurológicos podem incluir mioclonia, migrânea e, ocasionalmente, epilepsia. Alterações musculares, como fraqueza muscular proximal e presença de fibras vermelhas rasgadas na biópsia muscular, também são típicas. Achados em ressonância magnética podem mostrar lesões no tálamo e substância branca cerebelar. A condição tem início geralmente na idade adulta jovem e apresenta uma variabilidade fenotípica significativa entre os indivíduos afetados.
Abetalipoproteinemia
O gene MTP codifica a proteína de transferência de triglicerídeos microsomais, essencial para o transporte de triglicerídeos, ésteres de colesterol e fosfolipídios entre superfícies fosfolipídicas. Esta proteína opera como um heterodímero, composto por uma proteína multifuncional de 55 kD, uma proteína isomerase dissulfito (PDI), e uma subunidade grande única de 88 kD. Essa complexa estrutura bioquímica facilita o processo crítico de montagem e secreção de lipoproteínas que contêm apolipoproteína B no fígado e intestino. As variações genéticas que afetam a função ou a estrutura dessa proteína podem levar a distúrbios graves do metabolismo lipídico, como demonstrado em estudos envolvendo mutações no gene MTP que resultam em abetalipoproteinemia.
A abetalipoproteinemia é uma doença autossômica recessiva caracterizada por manifestações clínicas que resultam de deficiências na absorção e no transporte de lipídios devido à funcionalidade comprometida do MTP. Os pacientes frequentemente apresentam sintomas gastrointestinais como dor abdominal, vômito, diarreia e esteatorreia, devido à má absorção de gorduras. Manifestações neurológicas incluem ataxia, dismetria e marcha atáxica. Comprometimentos oftalmológicos são também típicos, incluindo perda da visão noturna, acuidade visual reduzida e degeneração pigmentar retiniana. Adicionalmente, observa-se a presença de acantócitos no sangue periférico, com baixos níveis de colesterol total e lipoproteínas que contêm apolipoproteína B, refletindo a deficiência fundamental na montagem e secreção dessas partículas essenciais. Os pacientes com abetalipoproteinemia também podem desenvolver complicações hepáticas, incluindo esteatose hepática, que podem progredir para condições mais graves.
Ataxia com deficiência de vitamina E
O gene TTPA é responsável pela codificação da proteína de transferência de alfa-tocoferol (alfa-TTP), uma molécula crucial na homeostase da vitamina E no corpo humano. A alfa-TTP facilita a transferência do alfa-tocoferol, a forma mais ativa da vitamina E, dos lipossomos para as frações de membrana pesada, sendo essencial para a proteção celular contra os danos oxidativos. Estudos mostraram que a alfa-TTP interage com fosfatos de fosfatidilinositol na membrana alvo, o que promove a transferência intermembrana do alfa-tocoferol.
A ataxia com deficiência isolada de vitamina E (AVED) é uma condição neurológica resultante de mutações no gene TTPA. Os indivíduos afetados apresentam uma série de sintomas neurológicos progressivos, incluindo ataxia, perda de reflexos e alterações proprioceptivas. Além disso, podem ocorrer manifestações cutâneas como xantelasmas e xantomas tendinosos. A deficiência de vitamina E leva a níveis indetectáveis dessa vitamina no soro, enquanto os níveis de colesterol, triglicerídeos e beta-lipoproteínas podem estar elevados. Esta doença é hereditariamente autossômica recessiva e requer diagnóstico diferencial cuidadoso com outras formas de ataxia, como a ataxia de Friedreich, para que se possa iniciar a suplementação de vitamina E e evitar danos irreversíveis.
ATAXIAS CEREBELARES COM NEUROPATIA SENSITIVO MOTORA AXONAL
Ataxia-telangiectasia
O gene ATM (Ataxia-Telangiectasia Mutated) codifica uma proteína quinase que desempenha um papel crítico na manutenção da integridade do genoma. Pertencente à família das quinases de fosfatidilinositol 3-quinase, o ATM é ativado em resposta a danos no DNA, como quebras de dupla-fita, onde atua fosforilando substratos chave envolvidos no reparo do DNA, controle do ciclo celular e apoptose. Este processo de sinalização permite a célula responder adequadamente ao estresse genômico, pausando o ciclo celular para reparo do DNA ou induzindo a apoptose quando o dano é irreparável. A complexa rede de interações e respostas mediadas pelo ATM é vital para a prevenção de transformações malignas e instabilidade cromossômica.
A Ataxia-Telangiectasia (AT) é uma doença autossômica recessiva caracterizada por uma diversidade de manifestações clínicas que refletem a função central do gene ATM na resposta ao dano do DNA. Os indivíduos afetados apresentam ataxia cerebelar progressiva, telangiectasias oculocutâneas, imunodeficiência variável, e são particularmente suscetíveis a infecções respiratórias. A AT também está associada a um risco aumentado de desenvolvimento de malignidades, especialmente linfomas e leucemias. Além disso, há um aumento dos marcadores de falha no reparo do DNA, como níveis elevados de alfafetoproteína. A hipersensibilidade à radiação ionizante e uma predisposição para diabetes mellitus e distúrbios endócrinos como hipogonadismo são também características. Esta complexa síndrome reflete o papel do ATM na vigilância do genoma e na mediação de respostas celulares ao estresse genético.
Ataxia-apraxia oculomotora tipo 1
O gene APTX codifica a aprataxina, uma proteína que desempenha um papel fundamental nos mecanismos de reparo de DNA, essencial para a manutenção da integridade genômica. Aprataxina é membro da superfamília HIT (histidine triad), que se caracteriza por suas atividades de ligação a nucleotídeo e diadenosina polifosfato hidrolase. A interação de aprataxina com a proteína XRCC1 sugere um papel crucial na formação de um complexo multiproteico envolvido no reparo de quebras de fita simples de DNA, comumente induzidas por espécies reativas de oxigênio e radiação ionizante. As mutações neste gene resultam em uma falha na reparação de quebras de fita simples de DNA, contribuindo para a patogênese das condições neurológicas associadas.
Ataxia com apraxia oculomotora com hipoalbuminemia (AOA1) é uma doença neurológica hereditária caracterizada por ataxia cerebelar progressiva, apraxia oculomotora, e hipoalbuminemia. Os sintomas geralmente começam na infância ou adolescência, com dificuldades na coordenação dos movimentos oculares e instabilidade no andar, que progressivamente levam à dependência de cadeira de rodas. Outros sintomas neurológicos incluem distonia, coreoatetose, tremores e, eventualmente, deterioração mental e demência em uma parcela dos pacientes. A hipoalbuminemia é um marcador laboratorial frequente, acompanhada por hipercolesterolemia. A patologia revela neuropatia periférica axonal sensorial e motora, com perda de fibras mielinizadas grandes, refletindo a degeneração axonal subjacente. A condição é autossômica recessiva.
Ataxia-apraxia oculomotora tipo 2
O gene SETX codifica a senataxina, uma helicase dependente de ATP que desempenha um papel crucial na manutenção da estabilidade genômica, particularmente na resolução de híbridos RNA:DNA, conhecidos como R-loops, que se formam durante a transcrição. A senataxina é essencial para o desenrolamento desses R-loops, evitando assim o acúmulo de danos no DNA que podem levar a mutações ou instabilidade genômica. A proteína está envolvida em vários processos celulares, incluindo a regulação da terminação da transcrição e o processamento do RNA, além de desempenhar um papel nas vias de reparo do DNA, colaborando com proteínas como o XRCC1 para facilitar o reparo de quebras na fita simples de DNA.
Mutação no gene SETX resulta em uma série de manifestações neurológicas, que variam dependendo do tipo de herança genética. Na atrofia espinocerebelar autossômica recessiva com neuropatia axonal tipo 2 (SCAN2), os pacientes apresentam ataxia de início juvenil, apraxia oculomotora, neuropatia periférica e atrofia cerebelar. A disfunção neurológica é progressiva e muitas vezes leva a incapacidades significativas. Os sintomas incluem ataxia progressiva do tronco e dos membros, disartria, tremores, distonia e movimentos coreicos, além de alterações oculomotoras como nistagmo evocado pelo olhar e perseguição sacádica. Alterações periféricas são evidenciadas por neuropatia sensorial e motora, manifestando-se por perda de reflexos e sensações distais, juntamente com atrofia muscular distal. A condição é frequentemente acompanhada por elevação dos níveis séricos de alfa-fetoproteína e atrofia pontocerebelar evidente em neuroimagem.
Gangliosidose GM2 de início tardio
O gene HEXA codifica a subunidade alfa da enzima hexosaminidase A, essencial no catabolismo lisossomal dos gangliosídeos GM2. Esta enzima, juntamente com a subunidade beta, é crítica na degradação de substratos celulares específicos, prevenindo assim o acúmulo patológico de lipídios complexos nas células nervosas. A atividade enzimática da hexosaminidase A é particularmente crucial para a hidrólise do gangliosídeo GM2, um componente importante das membranas neuronais. A deficiência desta enzima, devido a mutações no gene HEXA, resulta em uma incapacidade de degradar os gangliosídeos, levando ao seu acúmulo nos lisossomos das células neuronais e, consequentemente, a disfunção e morte celular.
A gangliosidose GM2 de início tardio, também conhecida como doença de Tay-Sachs de início tardio, é uma forma mais leve da doença de Tay-Sachs que se manifesta na adolescência ou na idade adulta. Esta variante é caracterizada por uma redução parcial da atividade da hexosaminidase A, permitindo uma progressão mais lenta da doença em comparação com a forma infantil. Os sintomas podem incluir fraqueza muscular, ataxia, disartria e, em alguns casos, deterioração cognitiva. O acúmulo de gangliosídeos GM2 nas células do sistema nervoso central resulta em danos neuronais progressivos. A gravidade e a progressão dos sintomas são variáveis, e alguns pacientes podem viver até a idade adulta com deficiências significativas.
ARSACS (ataxia espástica de Charlevoix-Saguenay)
O gene SACS é responsável pela codificação da sacsina, uma proteína de grande porte que desempenha um papel crucial no processamento de proteínas e na manutenção da homeostase celular. Sacsin interage diretamente com a maquinaria de chaperonas Hsp70 e o sistema de ubiquitina-proteassoma, sugerindo um papel significativo na modulação do dobramento proteico e na degradação de proteínas defeituosas. A presença de domínios como UBL e J sugere que sacsin possa integrar a função do sistema de proteassoma e as chaperonas Hsp70 a funções celulares específicas. Essa integração é crítica para proteger contra a toxicidade de proteínas mutantes, como a ataxina-1, que está ligada a outras formas de ataxia. Além disso, a alta expressão de sacsin em neurônios grandes, incluindo as células de Purkinje cerebelares, sublinha seu papel vital no sistema nervoso central.
A ataxia espástica de Charlevoix-Saguenay (ARSACS) é uma doença neurodegenerativa autossômica recessiva caracterizada por uma combinação de sintomas neurológicos e visuais. Os indivíduos afetados tipicamente apresentam sintomas desde a infância ou início da adolescência, incluindo ataxia progressiva, espasticidade, disartria, e sinais de disfunção do trato corticoespinhal. Alterações visuais distintas, como estrias retinianas e fibras retinianas hiper-mielinizadas, são comumente observadas. Os pacientes também podem apresentar neuropatia periférica resultando em fraqueza muscular distal, perda sensorial e deformidades esqueléticas como pes cavus e dedos em martelo. A maioria dos pacientes torna-se dependente de cadeira de rodas devido à progressão dos sintomas motores. A alta prevalência dessa doença na região de Charlevoix-Saguenay no Quebec destaca uma significativa frequência de portadores naquela população.
Doença de Refsum
O gene PHYH desempenha um papel crucial no processo metabólico de degradação do ácido fitânico, um ácido graxo único metabolizado por meio da alfa-oxidação devido a um grupo metil em sua posição C-3, que obstrui as vias convencionais de beta-oxidação. A enzima fitanoil-CoA hidroxilase, codificada pelo gene PHYH, catalisa o passo inicial crítico nesta via, convertendo fitanoil-CoA em 2-hidroxifitanoil-CoA. Essa transformação ocorre dentro dos peroxissomos, uma organela essencial em vários processos metabólicos, incluindo o catabolismo de ácidos graxos de cadeia muito longa e ácidos graxos de cadeia ramificada como o ácido fitânico. A expressão do gene e a atividade de sua enzima são cruciais para prevenir o acúmulo de ácido fitânico no corpo humano, o que está associado a graves transtornos metabólicos e do desenvolvimento.
A doença de Refsum, diretamente ligada a mutações no gene PHYH, é um distúrbio autossômico recessivo raro caracterizado por um espectro de manifestações clínicas, principalmente devido ao acúmulo de ácido fitânico nos tecidos e fluidos. O fenótipo da doença inclui surdez neurossensorial progressiva e retinite pigmentosa, levando a deficiências visuais significativas, como cegueira noturna e constrição dos campos visuais. Os sintomas neurológicos também são proeminentes, apresentando neuropatia sensoriomotora periférica e hiporreflexia, que contribuem para a fraqueza dos membros e deficiências sensoriais. Anormalidades cardíacas, como cardiomiopatia e potencial falência cardíaca súbita, complicam o quadro clínico. Manifestações sistêmicas adicionais podem incluir ictiose, anosmia e anormalidades esqueléticas, como encurtamento dos metacarpos e metatarsos. O defeito enzimático resulta em níveis aumentados de ácido fitânico, diagnosticáveis por meio de ensaios bioquímicos, e confirma a base molecular da doença ligada à disfunção da atividade da fitanoil-CoA hidroxilase.
Xantomatose cerebrotendínea
O gene CYP27A1 codifica a enzima esterol 27-hidroxilase, localizada nas mitocôndrias, e é crucial na via de síntese dos ácidos biliares. Essa enzima, junto com os cofatores proteicos adrenodoxina e adrenodoxina redutase, é responsável pela hidroxilação de uma variedade de esterois na posição C27. Este processo representa o primeiro passo na oxidação da cadeia lateral dos intermediários esteroides. A atividade de esterol 27-hidroxilase é essencial para a conversão de colesterol em ácidos biliares, facilitando a eliminação do colesterol do corpo e ajudando na absorção intestinal de lipídios e vitaminas lipossolúveis.
A xantomatose cerebrotendinosa (CTX) é uma doença autossômica recessiva decorrente de mutações no gene CYP27A1, caracterizada por uma série de sintomas neurológicos e sistêmicos. Clinicamente, a CTX pode apresentar cataratas juvenis, insuficiência respiratória, angina e infarto do miocárdio. Outras manifestações incluem osteoporose, xantomas tendinosos (frequentemente encontrados nos tendões de Aquiles e tuberosidade tibial), e alterações dermatológicas como xantoma tuberoso e xantelasma. No sistema nervoso central, os pacientes podem desenvolver demência, paralisia pseudobulbar, ataxia cerebelar, espasticidade, e uma variedade de sintomas psiquiátricos, incluindo delírios e alucinações. Anormalidades laboratoriais típicas incluem níveis normais ou ligeiramente elevados de colesterol plasmático, aumento de colestanol plasmático e excreção elevada de álcoois biliares 7 alfa-hidroxilados na urina, refletindo a deficiência na atividade da esterol 27-hidroxilase.
ATAXIA CEREBELAR SEM NEUROPATIA
Niemann-Pick tipo C
O gene NPC1 é crucial para o transporte intracelular do colesterol, desempenhando um papel essencial na regulação do tráfego de colesterol nos lisossomos e outros compartimentos celulares. O produto deste gene, a proteína NPC1, está envolvido na exportação de colesterol dos lisossomos para outras partes da célula, um processo necessário para manter o equilíbrio homeostático do colesterol. Alterações no funcionamento adequado da NPC1 resultam em acumulação anormal de colesterol e outros lipídios nos lisossomos, impactando várias funções celulares e contribuindo para o desenvolvimento de doenças neurológicas e sistêmicas.
A doença de Niemann-Pick tipo C1 (NPC1) é uma condição genética autossômica recessiva que se manifesta predominantemente na infância com uma ampla gama de sintomas neurológicos e sistêmicos. Os sintomas incluem paralisia do olhar supranuclear vertical, hepatomegalia, icterícia neonatal, esplenomegalia, disfagia, hipotonia, atraso no desenvolvimento, deterioração mental, demência, espasticidade, distonia, epilepsia, ataxia cerebelar e perda neuronal, especialmente de células de Purkinje cerebelares. Manifestações psiquiátricas, como problemas comportamentais e psicose, também são comuns. Anormalidades laboratoriais típicas incluem taxas reduzidas de esterificação do colesterol e homeostase anormal do colesterol, com células espumosas presentes nos órgãos viscerais e no SNC. A doença é altamente heterogênea, com diferentes fenótipos que variam desde formas infantis precoces até formas adultas, com os casos de início precoce geralmente apresentando progressão mais rápida e vida mais curta.
Conclusão
Esse texto fornece um panorama geral sobre as ataxias cerebelares autossômicas recessivas, ressaltando englobam um espectro diversificado de distúrbios neurológicos, cada um com implicações únicas para diagnóstico, manejo e pesquisa. A compreensão profunda de cada condição, desde a Ataxia de Friedreich até formas menos comuns como a ataxia por deficiência de vitamina E e a doença de Niemann-Pick tipo C, é vital para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes e para melhorar a qualidade de vida dos afetados. A investigação contínua em genética e biologia molecular é fundamental para eclarecer os mecanismos subjacentes dessas doenças, possibilitando intervenções mais precisas e, eventualmente, curativas, na era das terapias genéticas. Portanto, o avanço na pesquisa biomédica e a aplicação clínica de novas descobertas são essenciais para enfrentar os desafios impostos por essas condições debilitantes.
Comentários