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Foto do escritorGrupo de Estudos em Transtornos do Movimento

Coréia, atetose e balismo


Introdução


A palavra "coréia" tem sua etimologia no termo latino "choreus," que se traduz como "dança." Esta desordem de movimento hipercinético é definida pela ocorrência de contrações musculares involuntárias que são breves, irregulares e aleatórias. Comumente, tais manifestações são interpretadas por pacientes e observadores clínicos como uma forma de "inquietude" motora.


A coréia pode ser etiologicamente diversa, originando-se de uma ampla gama de condições. Estas incluem doenças heredodegenerativas, lesões estruturais em regiões cerebrais profundas, distúrbios autoimunes, desequilíbrios metabólicos, além de serem secundárias a intervenções farmacológicas e variações hormonais.


O objetivo deste capítulo é fornecer uma visão abrangente sobre as múltiplas categorias de coréia. Especificamente, a seção final do capítulo se concentra de maneira especial na Doença de Huntington, elucidando suas particularidades clínicas e terapêuticas.


Histórico


As primeiras referências à coréia remontam ao século XIV, quando a condição foi descrita como uma "mania dançante epidêmica." Esta apresentação, também conhecida como Dança de São Vito, foi inicialmente interpretada como uma manifestação histérica induzida pelo pavor generalizado de contaminação pela peste negra. A primeira descrição médica formal da coréia foi feita pelo renomado médico Thomas Sydenham (1624-1689). Ele detalhou uma variante pós-infecciosa da doença que predominava em crianças, estabelecendo, assim, os fundamentos para futuros estudos clínicos na área.


Em 1842, Walters foi pioneiro na descrição da forma hereditária da doença. No entanto, foi George Huntington quem ofereceu a primeira descrição médica meticulosa em 1872, em East Hampton, Long Island, Nova Iorque. Sua análise incluía não apenas as manifestações clínicas, mas também a transmissão genética da condição. Este trabalho seminal foi publicado na forma de uma comunicação breve no periódico "The Medical and Surgical Reporter".



Definições básicas


Para uma compreensão precisa dos tipos de movimentos anormais, é fundamental discernir as particularidades que diferenciam coréia, atetose e balismo.


Coréia

A coréia se manifesta como uma desordem hipercinética, caracterizada por movimentos rápidos, involuntários e imprevisíveis. Estes movimentos afetam predominantemente a porção distal dos membros superiores, embora também possam envolver a face e o tronco. Notavelmente, os movimentos coréicos não são estereotipados e exibem uma variação considerável em termos de velocidade e direção. Eles são notáveis por sua fluidez e por se deslocarem aleatoriamente de uma região corporal a outra. A característica distintiva que permite diferenciar a coréia de outras desordens do movimento hipercinéticas, como tremor e distonia, é sua imprevisibilidade intrínseca.


Atetose

A atetose, por outro lado, é definida por movimentos mais lentos, sinuosos e de contorção que são predominantemente distais e que persistem mesmo durante o sono. Esses movimentos são mais sustentados e geralmente afetam as extremidades. O termo "coreoatetose" é frequentemente empregado quando ambas as condições coexistem, representando um espectro de movimentos anormais que variam desde movimentos rápidos e imprevisíveis até movimentos lentos e de contorção.


Balismo

O balismo se caracteriza por movimentos involuntários que são eminentemente proximais e de grande amplitude. Estes movimentos têm frequentemente um aspecto mais "violento" e estão associados a um deslocamento significativo das extremidades. O balismo é, às vezes, descrito em termos de um movimento de "arremesso," ressaltando a sua natureza expansiva e de grande alcance.


Fisiopatologia da coréia


O avanço na compreensão dos mecanismos neurofisiológicos subjacentes aos movimentos voluntários e involuntários sofreu um marco significativo com a proposição do modelo das alças motoras (loops) na década de 1990. Originado de estudos em primatas, este modelo delineou como os circuitos dos núcleos da base poderiam modular as projeções motoras tálamo-corticais por meio de vias paralelas, facilitando movimentos intencionais e inibindo movimentos indesejados ou excessivos.


Segundo esse arcabouço teórico, eferências GABAérgicas oriundas do globo pálido interno (GPi) desempenhariam um papel crucial na modulação da atividade dos núcleos motores do tálamo. O tálamo, por sua vez, facilitaria os movimentos ao enviar impulsos excitatórios glutamatérgicos às áreas corticais motoras, que incluem o córtex pré-motor, o motor primário e o motor suplementar. A modulação do GPi é conseguida através de duas vias GABAérgicas estriato-palidais aferentes distintas, conhecidas como as vias direta e indireta. A Via Direta se distingue por possuir uma única projeção neuronal ao GPi, enquanto a Via Indireta incorpora "subestações" sinápticas no globo pálido externo (GPe) e no núcleo subtalâmico (STN).


Neste contexto, diversas etiologias de coréia podem ser conceptualizadas como consequência de uma modulação inibitória deficiente do GPi sobre o tálamo. Isso resultaria em uma hiperfacilitação tálamo-cortical, culminando em movimentos involuntários. Embora este modelo ofereça insights valiosos, ele ainda apresenta limitações, como a dificuldade de explicar fenômenos específicos. Um exemplo seria a melhora da coréia induzida por levodopa na doença de Parkinson após a realização de uma palidotomia.


Estudos recentes de micro-registro neuronal nos gânglios da base apontam para uma explicação mais refinada. Atualmente, acredita-se que as alterações nos padrões temporais e espaciais de disparo do GPi sejam o mecanismo subjacente aos movimentos anormais.


Classificação etiológica


As coréias são categorizadas em duas classes principais: primárias (idiopáticas ou hereditárias) e secundárias (adquiridas). As formas hereditárias tendem a manifestar-se bilateralmente e apresentam um curso insidioso e progressivo. Em contraste, as coréias adquiridas são mais propensas a exibir apresentações agudas ou subagudas e podem ser assimétricas, ocasionalmente manifestando-se de forma exclusivamente unilateral. Em tais casos, a avaliação da etiologia estrutural através de neuroimagem, como a ressonância magnética, torna-se imperativa.


Em grande medida, os aspectos clínicos não são suficientemente distintos para determinar a etiologia. Portanto, são frequentemente as características concomitantes que orientam o diagnóstico etiológico.






Fenomenologia/Semiologia



A coréia é comumente manifestada durante períodos de repouso e pode ser exacerbada por manobras distrativas, como a subtração seriada de sete utilizada no Mini-Exame do Estado Mental. Notavelmente, ela abranda durante os ciclos de sono. A impersistência motora, definida como a incapacidade de sustentar uma contração muscular, frequentemente acompanha esta condição. Esse sinal é avaliado com maior precisão solicitando-se ao paciente que protrua a língua por 30 segundos. Os pacientes geralmente falham nesta tarefa, já que ocorre a retração involuntária da língua para a cavidade oral. Alternativamente, movimentos involuntários semelhantes a uma "ordenha" podem ser observados quando o paciente tenta segurar a mão do examinador pelo mesmo período. Esse sinal clínico é conhecido como "milk maid grip".


Concomitante à coréia encontra-se uma hipotonia generalizada, que pode ser avaliada ao sacudir os ombros de um paciente em posição ortostática e observar movimentos exagerados dos braços. Esta observação clínica é frequentemente comparada aos movimentos de um típico boneco pernambucano "mamulengo".


Pode ser produzida, ao exame físico, uma forma peculiar de reflexo osteotendíneo profundo chamado de “hung-up knee jerk”. Este reflexo é costumeiramente observado à percussão do tendão patelar com um martelo, e trata-se de uma resposta de latência longa, atribuída a um movimento coréico superposto ao reflexo patelar. Os reflexos também podem ser pendulares, o que se justifica pela hipotonia apendicular.


Paracinesia Paradoxal


O fluxo contínuo de movimentos involuntários coréicos pode, ocasionalmente, misturar-se a movimentos voluntários, tornando-os indistinguíveis. Quando o paciente tenta camuflar esses movimentos excessivos, integrando-os em comportamentos voluntários, o fenômeno é referido como paracinesia paradoxal.


Etiologias específicas de coréia


O presente segmento tem como objetivo proporcionar uma análise detalhada sobre as principais etiologias que suscitam o surgimento de coréias. Embora não pretenda ser um tratado exaustivo sobre o tema, esta discussão tem o intuito de orientar o leitor quanto às enfermidades mais relevantes sob perspectivas epidemiológica, clínica e educacional. Recomenda-se fortemente a consulta às referências bibliográficas listadas ao final deste capítulo para uma compreensão mais aprofundada.


Causas genéticas


No espectro das coréias de origem genética, diversas enfermidades com fisiopatologias distintas coexistem, embora compartilhem um denominador fenomenológico comum. A Coréia de Huntington figura como a mais prevalente dessas condições, todavia, várias outras merecem menção. Entre elas, podemos citar as síndromes Huntington-like, as neuroacantocitoses, a atrofia dentatorubropalidoluysiana e a coréia benigna hereditária. Outras notáveis incluem as ataxias espinocerebelares do tipo 2 e 3 (conhecidas como doença de Machado-Joseph) e do tipo 17 (também referida como Síndrome Huntington-like tipo 4).


Além dessas, algumas ataxias hereditárias também manifestam coréias, tais como a ataxia de Friedreich, ataxia-teleangiectasia e os subtipos 1 e 2 de ataxia-apraxia oculomotora.


Dignas de uma abordagem especial em capítulos subsequentes são as doenças genéticas associadas ao acúmulo de metais nos núcleos da base. Entre essas, citam-se a doença de Wilson, a neurodegeneração associada ao acúmulo cerebral de ferro (em particular, a degeneração ligada à pantotenato-quinase tipo 2) e as neuroferritinopatias.


Coreia de Sydeham


A Coreia de Sydenham destaca-se como a causa mais prevalente de coreia com início na infância. Trata-se de uma manifestação neurológica decorrente da febre reumática, que por sua vez é uma sequela não-supurativa de infecções causadas pelo Streptococcus do grupo A. A fisiopatologia subjacente é geralmente atribuída à reatividade antigênica cruzada: anticorpos originalmente formados contra o patógeno estreptocócico passam a reconhecer antígenos presentes no corpo estriado.


Características Demográficas e Temporalidade

Este fenômeno ocorre com maior incidência em crianças situadas na faixa etária de 5 a 15 anos, sendo aproximadamente duas vezes mais frequente no sexo feminino. A manifestação clínica da coreia é habitualmente tardia, iniciando-se entre 4 a 8 semanas após a infecção estreptocócica. Vale ressaltar que há casos documentados com um período de latência de até 8 meses entre a infecção e o surgimento da coreia.


Manifestações Clínicas e Comorbidades Neurológicas

Comumente de instalação subaguda e bilateral, a coreia pode também ser unilateral em cerca de 30% dos casos. Comorbidades neurológicas frequentes incluem tiques, fraqueza muscular, vocalizações, hipotonia e disartria. É importante observar que, em muitos casos, sintomas comportamentais ou psiquiátricos como labilidade emocional, desatenção, irritabilidade, hiperatividade, sintomas obsessivo-compulsivos, ansiedade, psicose e depressão frequentemente antecedem as manifestações coreicas.


Avaliação Diagnóstica e Terapêutica

O episódio de coreia possui uma duração média que varia de 2 a 9 meses, geralmente culminando em remissão. O uso do anticorpo anti-estreptolisina O é frequentemente de pouca utilidade diagnóstica, dada a sua baixa sensibilidade a longo prazo. A pesquisa de anti-DNAse B é considerada mais eficaz nesse contexto. A profilaxia com penicilina benzatina administrada a cada 21 dias é a abordagem terapêutica recomendada até o início da idade adulta.


Instrumentos de Avaliação

Para a avaliação clínica da gravidade da coreia, uma ferramenta amplamente empregada é a escala de avaliação de Coreia de Sydenham da Universidade Federal de Minas Gerais, concebida pelo Dr. Francisco Cardoso e sua equipe de colaboradores.


Hemicoreia-hemibalismo


A hemicoréia-hemibalismo é uma condição neurológica notável primariamente pela sua associação com estados hiperglicêmicos não cetóticos, também denominados como estados hiperosmolares hiperglicêmicos não cetóticos. Este distúrbio manifesta-se com marcada assimetria, confinando os movimentos involuntários excessivos a apenas um hemicorpo (dimídio).


Características de Imagem

Estudos de Ressonância Magnética (RM) do encéfalo frequentemente revelam alterações patognomônicas, mais especificamente um hipersinal unilateral em sequências ponderadas em T1, localizado no corpo estriado contralateral à manifestação clínica da coréia. Este hipersinal tende a regredir após a resolução dos sintomas clínicos, muitas vezes em um período de meses.


Mecanismos Fisiopatológicos

Acredita-se que o mecanismo subjacente envolva lesões microvasculares no sistema nervoso central, bem como depleção dos neurotransmissores GABA (Ácido gama-aminobutírico) e acetilcolina no putamen.


Manifestações Clínicas Associadas

Além da coréia e balismo, outras manifestações neurológicas podem estar presentes, incluindo asterixis (mioclonias negativas), alterações do estado de consciência e episódios de crises epilépticas.


Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial é essencial e deve considerar outras condições que alteram o sinal dos núcleos da base em modalidades de imagem, tais como a doença de Wilson, calcificações idiopáticas dos núcleos da base e hemorragias hipertensivas.


Abordagem Terapêutica

O tratamento primordial é a estabilização dos níveis glicêmicos. Medicações anti-dopaminérgicas que atuam no bloqueio do receptor D2, como neurolépticos típicos, e agentes que depletam os níveis de dopamina, como os inibidores da VMAT (transportador vesicular de monoaminas) tetrabenazina e reserpina, podem também ser implementados conforme a necessidade clínica.


Chorea gravidarum (e induzida por anticoncepcionais)


Coréia de qualquer causa de início na gravidez recebe a denominação de chorea gravidarum. Causas muito frequentes são a exacerbação de coréia de Sydeham no passado e síndrome do anticorpo antifosfolipídeo. Geralmente tem início entre o 2º e 5º mês da gestação, mas pode ocorrer eventualmente também após o parto. Uso de corticoesteróides e uso cuidadoso de haloperidol são alternativas de tratamento.


Coreia senil


O termo se refere à coreia de início gradual, topografia generalizada, simétrica, com lenta progressão, em pacientes que não tenham distúrbios de comportamento, cognição ou história familiar positiva (fatores reconhecidamente presentes na doença de Huntington, por exemplo). O início se dá após os 50 anos de idade e é sempre recomendada a testagem genética para se descartar uma coréia hereditária com apresentação atípica. É importante que seja esclarecido o histórico de uso de medicações. O diagnóstico deve ser considerado somente se as outras potenciais causas forem excluídas (vascular, auto-imune, tóxico-metabólica, infecciosa etc).


Neuroacantocitoses


Neuroacantocitose constitui um termo abrangente utilizado para descrever um conjunto de síndromes que exibem tanto sintomas neurológicos quanto a presença de acantócitos, hemácias anormalmente espiculadas, no sangue periférico. Conforme a taxonomia proposta por Jung et al., estas síndromes são categorizadas em dois agrupamentos distintos: um focado em manifestações centrais, e outro relacionado ao metabolismo lipoprotéico.


Agrupamento Central

Este grupo é marcado por um tripé de manifestações: degeneração dos núcleos da base, sintomas cognitivos e comportamentais (frequentemente seguindo um padrão frontal-subcortical) e uma variedade de distúrbios do movimento. Incluídos neste grupo estão entidades clínicas como Coreoacantocitose, Síndrome de McLeod, Degeneração Cerebral Associada à Mutação da Pantotenato Cinase Tipo 2 (anteriormente conhecida como doença de Hallervorden-Spatz) e Doença Huntington-Like Tipo 2.


Agrupamento Metabólico

O segundo grupo está intrinsecamente relacionado ao metabolismo das lipoproteínas e inclui condições como abetalipoproteinemia e hipobetalipoproteinemia.


Implicações Clínicas

As neuroacantocitoses são entidades raras, mas cruciais para o diagnóstico diferencial em neurologia, especialmente quando há distúrbios do movimento e anormalidades hematológicas. Dada sua raridade e complexidade, é imperativo que neurologistas estejam familiarizados com suas características clínicas para um diagnóstico preciso e subsequente manejo clínico.


Coreo-acantocitose


A Coreoacantocitose é uma doença autossômica recessiva rara, causada por mutações no gene VPS13A. Ela apresenta um espectro clínico peculiar, que se manifesta, frequentemente, entre as idades de 25 e 45 anos.

Manifestações Clínicas

  • Sistema Neurológico Central: A doença é caracterizada por coreoatetose progressiva, discinesias orofaciais, distonia alimentar manifestada por protusão involuntária da língua, disartria e, em alguns casos, demência.

  • Sistema Neurológico Periférico: Os pacientes frequentemente demonstram neuropatia periférica, que se manifesta como hiporreflexia e arreflexia.

  • Manifestações Comportamentais e Psiquiátricas: Mudanças de personalidade, oscilações de humor, ansiedade, desinibição, psicose e agressividade são comuns. Há também relatos de automutilação da língua e dos lábios devido a movimentos involuntários.

  • Hematologia: A presença de acantócitos é comum nos esfregaços de sangue periférico.

  • Anormalidades Laboratoriais: Aumento nos níveis de creatinoquinase (CPK) é frequentemente observado.

Diagnóstico

O diagnóstico é confirmado molecularmente através da identificação de queda na expressão da proteína coreína, uma decorrência da mutação no gene VPS13A.


Tratamento e Prognóstico

O manejo clínico é predominantemente sintomático e envolve o uso de bloqueadores de dopamina, como neurolépticos. Infelizmente, a doença é progressiva e associa-se a uma redução na expectativa de vida.


Síndrome de McLeod


A Síndrome de McLeod é uma doença genética recessiva ligada ao cromossomo X que apresenta uma manifestação clínica heterogênea, frequentemente iniciando entre as idades de 30 e 40 anos. Esta patologia foi nomeada em 1961, em referência ao paciente inicialmente descrito com a condição.


Características Clínicas

  • Neurológicas: Comumente se manifesta com coreia e discinesias craniofaciais. Muitos pacientes apresentam distonia e disartria. A síndrome também se associa com uma neuropatia axonal sensitivo-motora, que resulta em arreflexia. Aproximadamente 20-40% dos pacientes apresentam convulsões, e metade dos pacientes com manifestações neuromusculares exibem comprometimento cognitivo subcortical.

  • Cardiovasculares: Cerca de 60% dos pacientes apresentam cardiomiopatia dilatada, acompanhada frequentemente por fibrilação atrial.

  • Hematológicas: A anemia hemolítica e acantocitose são características marcantes, dada a ausência do antígeno eritrocitário Kx e fraca expressão do antígeno Kell, na ausência de abetalipoproteinemia.

  • Manifestações Psiquiátricas: O espectro de anormalidades psiquiátricas inclui transtornos de personalidade, ansiedade, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo.

  • Outras Manifestações: Hepatoesplenomegalia e fraqueza muscular ou atrofia estão presentes em uma subpopulação de pacientes.

Diagnóstico Laboratorial

  • É comum observar aumento nos níveis séricos de creatina quinase (CK).

  • A base molecular da doença envolve mutações no gene XK, localizado no locus Xp21.1.


Síndrome de Lesch-Nyhan


A Síndrome de Lesch-Nyhan é uma desordem metabólica hereditária que impacta predominantemente o metabolismo das purinas, causada por uma deficiência na enzima hipoxantina-guanina fosforibosiltransferase (HPRT). Esta enzimopatia resulta em uma tríade clínica de hiperprodução de ácido úrico, distúrbios comportamentais e deficiências neurológicas.


Genética e Diagnóstico


A causa molecular da doença é uma mutação no gene HPRT1, localizado no cromossomo X (locus Xq26). A herança é recessiva ligada ao X. O diagnóstico é comumente suspeitado durante a infância, especialmente quando atraso psicomotor e hiperuricemia coexistem. O diagnóstico pode ser confirmado tanto pela identificação da mutação genética quanto pela mensuração da atividade enzimática da HPRT em amostras de sangue periférico ou fibroblastos.


Manifestações Clínicas

  • Neurológicas: Incluem distonia, coreoatetose, balismo, espasticidade, disartria e disfagia. A presença de sinais extrapiramidais é notória, bem como disfunção dos gânglios da base.

  • Comportamentais: Agressividade física e verbal são frequentemente observadas, bem como auto-mutilação obsessiva, particularmente envolvendo mordidas nos lábios e dedos.

  • Outras Manifestações: Estatura baixa, retardo do crescimento, vômito, atrofia testicular, nefrolitíase, gota e tofos de ácido úrico são também relatados. Anemia megaloblástica e distúrbios do sistema hematológico são comuns.

Parâmetros Laboratoriais e Radiológicos

  • Hiperuricemia e hiperuricosúria são consistentemente observadas.

  • Estudos de neuroimagem, incluindo tomografia computadorizada e ressonância magnética, geralmente não apresentam alterações específicas.

Tratamento e Manejo Clínico

O tratamento é essencialmente sintomático. O uso de alopurinol é frequentemente empregado para controle dos níveis de ácido úrico, diminuindo o risco de gota e nefropatia. Fármacos como baclofeno e benzodiazepínicos são utilizados para controle dos sintomas distônicos.


Lúpus eritematoso sistêmico (LES) – Coréia lúpica


Como doença multi-orgânica, o LES também é chamado de “o grande imitador”. Seu marcador sorológico é a presença de anticorpos anti-nucleares e, mais especificamente, de anticorpos anti-DNA dupla fita (anti-ds-DNA). Apesar de poder causar as mais variadas manifestações neurológicas, como vasculite, neurite óptica, polirradiculopatia desmielinizante aguda, crises convulsivas e psicose, o LES também pode manifestar-se com transtornos do movimento.

A coréia lúpica é um desafio diagnóstico e deve sempre ser lembrada, nos casos menos óbvios. Pode se manifestar de maneira generalizada ou como hemicoréia, em até 3% dos casos. É necessária a presença de, pelo menos, 4 de 11 critérios do Colégio Americano de Reumatologia, para o diagnóstico definitivo.

O tratamento da coréia costumeiramente é realizado com corticoesteróides ou com neurolépticos típicos. Há algumas descrições na literatura do uso de imunoglobulina endovenosa e de plasmaférese, com alívio dos sintomas.


Coréia Benigna Hereditária


Doença rara, de origem autossômica dominante, é causada por mutações no gene TITF1 (cromossoma 14, locus 14q13.3), um gene sabidamente relacionado a fatores de transcrição essenciais para a embriogênese dos núcleos da base, dos pulmões e da tireóide. A presença desta mutação foi identificada nos anos 2002/2003, por Breedveld et al e Kleiner-Fishman et al.

Os movimentos coreiformes, nesta condição, se iniciam na infância, e não acompanham qualquer problema cognitivo. A evolução é lenta, e pode acompanhar distonia, mioclonia, disartria. O prognóstico, acredita-se, é relativamente benigno.


Doença de Huntington


A doença de Huntington é uma doença neurodegenerativa de causa genética. Herdada de maneira autossômica dominante, tem como causa uma mutação no cromossomo 4, na região 4p16, no gene IT15, que codifica a proteína Huntingtina. A mutação causadora da doença é do subtipo repetição de trinucleotídeos CAG, que resulta na expressão de uma cauda anormal de múltiplos aminoácidos tipo glutamina na proteína huntingtina.

É forma mais frequente de coréia genética conhecida. Estima-se que possam haver de 8 a 20 mil pessoas no Brasil, dado que vem de uma extrapolação de dados mundiais que sugerem prevalência de 4 a 10 pacientes a cada 100 mil pessoas.


Dados epidemiológicos mostram maior frequência em populações com origem étnica na Europa ocidental. Há, no entanto, na América do Sul, uma região onde se encontra a maior prevalência do mundo, nas margens do Lago Maracaibo, na Venezuela. Os principais estudos de descrição de pedigrees, incluindo aquele que identificou o gene responsável pela doença, publicado em 1993, foram feitos a partir dos dados genéticos de famílias venezuelanas, fruto de colaborações científicas internacionais.


O quadro clínico se caracteriza por uma tríade clássica: transtorno de movimento, desordem de comportamento e declínio cognitivo.


No espectro dos transtornos do movimento, o mais encontrado, sendo considerado prototípico, é a coréia. No entanto, outras manifestações são comuns, como parkinsonismo, distonia, ataxia, tiques (tourettismo) e mioclonias. Nas fases mais avançadas, podem evoluir com espasticidade, disartria e disfagia, sintomas que influenciam bastante a morbimortalidade, em virtude da síndrome de imobilidade e do risco de pneumonia aspirativa. Marcha de base alargada, coréia axial e ataxia podem levar a quedas, outra importante causa de morbidade, devido ao risco de traumatismo crânio-encefálico.


A apresentação rígido-acinética, ou seja, com predomínio de sintomas parkinsonianos, é comum na doença de início precoce, ou forma Westphal da doença de Huntington. Nesta forma, sabidamente há um maior número de repetições CAG.


As desordens de comportamento são universais na doença de Huntington. Até 40% dos pacientes apresentam sintomas de depressão maior, frequentemente com ideação suicida. Estudos tem mostrado que suicídio pode representar até 8% das mortes na doença.


Outros sintomas psiquiátricos, como ansiedade, ataques de pânico, transtorno obsessivo compulsivo, mania/hipomania, psicose, irritabilidade, agressividade, hiperssexualidade a apatia, também são muito frequentes e merecem manejo individualizado. Sabe-se que estes sintomas podem preceder os sintomas motores em anos ou mesmo décadas.


O declínio cognitivo é também universal, e o quadro demencial clinicamente se apresenta com padrão frontal-subcortical, com lentificação do raciocínio, prejuízo sobre funções executivas (organização, planejamento e resolução de problemas) e do controle inibitório e dos impulsos.


Com o avançar da doença, aumentam os riscos de mortalidade por (1) imobilidade (trombose venosa profunda, infecções respiratórias e urinárias); (2) quedas (hematoma subdural, fraturas) e (3) disfagia (pneumonia aspirativa.


O diagnóstico é feito associando-se quadro clínico clássico e presença da mutação. A história familiar positiva (diagnóstico confirmado em parente de primeiro grau), associada à síndrome clínica clássica também pode ser suficiente para o diagnóstico.

No teste diagnóstico molecular é realizada a quantificação do número de repetições do códon CAG, e são possíveis 4 situações clínicas, descritas a seguir na tabela 2. Sabe-se que háuma relação inversa entre o número de repetições e a idade de início da doença, ou seja, quanto mais repetições CAG o gene apresentar, mais precocemente a doença se manifesta. A forma Westphal, por exemplo, costumeiramente se apresenta em pacientes com mais de 60 repetições.




A imagem por ressonância magnética serve como uma ferramenta diagnóstica robusta e pode atuar como um biomarcador no contexto da Doença de Huntington. Nas secções coronais focadas no lobo frontal, é frequentemente possível observar uma atrofia significativa do núcleo caudado. A extensão dessa atrofia pode ser quantificada utilizando dois índices específicos: (a) a razão entre a largura dos cornos anteriores do ventrículo lateral e a distância intercaudal; e (b) a razão entre a distância intercaudados e a largura da lâmina óssea interna do crânio.


Em relação às manifestações da variante juvenil da doença, além da atrofia dos caudados, observa-se frequentemente uma atrofia substancial do putamen, acompanhada por um hipersinal em T2. Esse achado é particularmente relevante para o diagnóstico diferencial e a avaliação do espectro da doença.


Técnicas quantitativas de imagem, como a espectroscopia de prótons, também podem conferir valor diagnóstico adicional. Essas técnicas podem revelar anomalias metabólicas, como um aumento dos níveis de lactato no córtex occipital e uma diminuição na razão N-acetilaspartato (NAA) para creatina nos núcleos da base, indicativos de perda neuronal.


Tratamento


O tratamento da Doença de Huntington é multifacetado e personalizado, focado principalmente no manejo dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida do paciente. Embora a fisiopatologia da doença ainda não seja completamente compreendida e uma cura permanente não esteja disponível, várias alternativas terapêuticas existem para o controle dos sintomas. Tetrabenazina é o principal medicamento aprovado para o manejo da coreia, um dos sintomas motores mais visíveis da doença. Deutetrabenazina, uma variante da tetrabenazina, também demonstrou eficácia, possivelmente com menos efeitos colaterais como ansiedade e insônia. Ambos os fármacos são ajustados individualmente e sua prescrição é baseada no julgamento clínico do profissional de saúde.


Neurolepticos como sulpirida, risperidona e quetiapina também são utilizados na prática clínica para o controle da coreia, embora seus principais efeitos adversos incluam sonolência e ganho de peso. Além do tratamento farmacológico, a fisioterapia é frequentemente empregada para abordar outros problemas motores, como marcha anormal e equilíbrio prejudicado. O tratamento dos sintomas psicológicos é geralmente baseado em avaliação clínica e aconselhamento profissional, dada a escassez de dados em estudos randomizados.


No âmbito dos sintomas psicológicos, várias abordagens não farmacológicas, como terapia comportamental e psicoterapia interpessoal, são frequentemente recomendadas. No entanto, sua eficácia pode ser limitada na presença de déficits cognitivos. Terapias farmacológicas para manifestações psicológicas incluem inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), bem como mirtazapina e venlafaxina, que possui ação serotonérgica e noradrenérgics. Embora várias medicações tenham sido experimentadas para tratar a apatia, nenhum ensaio clínico randomizado foi realizado até o momento para validar sua eficácia.


Síndromes Huntington-like


Huntington like tipo 1


Trata-se de doença priônica familiar, causada por uma mutação que insere 8 repetições extra de octapeptídeos no gene PRNP, localizado no cromossoma 20p13. Também de herança autossômica dominante, pode se manifestar de maneira indistinta da doença de Huntington, com coréia, ataxia, demência e alterações psiquiátricas (agressividade, ansiedade, depressão, delírios). Há atrofia cerebral difusa, com perda celular nos núcleos da base, espongiose e placas fibrilares no córtex cerebral. Oinício das manifestações se dá, em média, aos 28 anos de idade.


Huntington like tipo 2


Causada por mutação no gene da junctofilina-3, localizado no cromossoma 16q24, a doença Huntington-like tipo 2 é provocada também por expansão de trinucleotídeos (CAG/CTG), heterozigota, e de manifestação autossômica dominante. Mais comum em famílias de origem africana, é a mais encontrada das síndromes Huntington like no Brasil, provavelmente em virtude da grande representatividade desta etnia na população brasileira (Guilherme Rodrigues, 2008 Santos C) . A toxicidade da proteína mutada parece estar relacionada com ganho patológico de função mediado por RNA. A família original (família W), descrita por Margolis e cols, em 2001, se caracterizada por indivíduos com início da doença na 4a década de vida, com movimentos involuntários, sintomas psiquiátricos, perda de peso, demência e curso fatal em cerca de 20 anos de duração da doença.


Huntington like tipo 3


Ao contrário das duas primeiras, esta síndrome Huntington like tem origem provavelmente autossômica recessiva, e início em idade mais jovem (crianças de 3 a 5 anos de idade), com fenótipo que lembra a forma Westphal da Doença de Huntington. Pode se manifestar com sinais piramidais e extrapiramidais, coréia, distonia, ataxia, espasticidade, instabilidade de marcha, distúrbios de fala, crises epilépticas, deterioração mental, com atrofia frontal e dos caudados. A primeira descrição é de uma família saudita, com histórico de consangüinidade (casamento entre primos), e foi feita por Al-Tahan, em 1999. Há associação em estudos tipo linkage, com o cromossoma 4p15.3, o que ainda é incerto. Alguns autores consideram que, em virtude do padrão de herança diferente, e da manifestação muito precoce, não deveria estar classificada dentro das síndromes Huntington-like.


Huntington like tipo 4 (SCA 17)


Classificada como a ataxia espinocerebelar tipo 17 (SCA17), esta é uma doença genética autossômica dominante, associada a repetição de trinucleotídeos no gene TBP (TATA box binding protein), no cromossoma 6q27. Com idade de início entre 19 e 48 anos, tem a ataxia como principal manifestação (94% dos casos), e apresenta fenótipo heterogêneo, com sinais extrapiramidais, piramidais, demência, epilepsia, e transtornos psiquiátricos associados. Na patologia, se encontram corpos de inclusão difusamente distribuídos na substância cinzenta, com imunorreatividade antiTBP e anti-poliglutamina.



ATROFIA DENTATO-RUBRO-PÁLIDO-LOUISIANA (DRPLA)


Mais um exemplo de doença causada por mutação do tipo repetição de trinucleotídeos CAG no gene ATN1 (cromossoma 12p13.31 - atrofina 1), de herança autossômica dominante, a atrofia dentato-rubro-pálido-louisiana tem apresentação fenotípica heterogênea. Mais comum em pacientes de etnia oriental (japonesa), se manifesta com epilepsia mioclônica, ataxia, demência e coreoatetose. Na transmissão gênica também se demonstra o fenômeno da antecipação, como na doença de Huntington, com expansão de cerca de 4 repetições na transmissão paterna. Indivíduos com 49-88 repetições expressam a doença, enquanto aqueles com 8 a 25, não. A cauda de poliglutamina da proteína mutada parece interagir com a enzima gliceraldeído trifosfato deaminase (GAPD). A idade média de início parece ser ao reder da terceira década, apesar de relatos de grande variabilidade (da primeira à sétima década).

O espectro fenotípico variável foi classificado em 3 apresentações mais típicas, a partir da principal manifestação: predominantemente (a) coréica, (b) atáxica e (c) mioclônica.


Abordagem prática


É de grande utilidade que a primeira medida a ser tomada ao se deparar com um paciente com coréia seja se informar a respeito da presença de história familiar, diferenciando, logo no início da entrevista, as coréias de origem genética daquelas adquiridas. História de infecção estreptocócica recente é muito importante no contexto de uma criança com movimentos coreicos, já que pode ser suficiente para o diagnóstico de coréia de Sydeham.

Caso a história familiar sugira uma herança autossômica dominante, a primeira hipótese diagnóstica deve ser doença de Huntington, o que torna o teste genético imprescindível. Fatores acompanhantes, como a presença de auto-mutilação, podem direcionar o diagnóstico para as neuroacantocitoses ou síndrome de Lesch Nyhan.

Na coréia estritamente unilateral, acompanhada de movimentos balísticos, é necessária a coleta de glicemia e, se normal, o exame de neuroimagem, para se descartar uma causa vascular.


 


 

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