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Foto do escritorGrupo de Estudos em Transtornos do Movimento

Distonia-mioclonia (DYT11, DYT-SGCE)


Resumo


Distonia-mioclonia associada ao gene SGCE (SGCE-M-D) é uma desordem do movimento que se caracteriza pela coexistência de contrações musculares rápidas e breves (mioclonia) e/ou movimentos retorcidos e repetitivos que resultam em posturas anormais (distonia). As manifestações mioclônicas geralmente afetam o pescoço, tronco e membros superiores, com envolvimento menos comum das pernas. Aproximadamente 50% dos indivíduos afetados também apresentam distonia focal ou segmentar, frequentemente manifestada como distonia cervical e/ou cãibra do escrivão. Características não-motoras podem incluir abuso de álcool, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtornos de ansiedade. O início dos sintomas ocorre tipicamente na primeira década de vida e quase sempre antes dos 20 anos, mas pode variar entre seis meses e 80 anos de idade.


Quadro clínico


Em sua maioria, o transtorno se manifesta antes dos 10 anos de idade, sendo incomum o início após os 20 anos. O sintoma inicial mais comum é a mioclonia na parte superior do corpo, podendo ser isolada ou associada à distonia. Em 15-30% dos casos, a manifestação inicial é uma distonia isolada. A mioclonia, geralmente o sintoma mais debilitante, se caracteriza por espasmos descritos como "semelhantes a choques" que predominam nos membros superiores e no pescoço, embora possam afetar virtualmente todas as regiões do corpo.

A distonia, quando presente, é geralmente leve a moderada e costuma poupar o rosto, a laringe e o tronco. Importa destacar que a ingestão de álcool frequentemente leva a uma melhora notável nos sintomas motores, embora com risco de alcoolismo. Transtornos psiquiátricos como ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo também fazem parte do fenótipo da mioclonia-distonia. A gravidade e a taxa de progressão dos sintomas são imprevisíveis, variando desde incapacidade motora severa na adolescência até sintomas leves e não progressivos que perduram por décadas.

As características clínicas funcionam como indicadores preditivos do estado mutacional do gene SGCE em pacientes diagnosticados com mioclonia-distonia. No que concerne aos preditores positivos, destaca-se a mioclonia como uma manifestação motora preeminente, podendo ou não estar concomitantemente associada à distonia. Adicionalmente, outros fatores incluem o comprometimento primariamente focalizado na parte superior do corpo, o surgimento dos sintomas predominantemente nas duas primeiras décadas de vida—com especial ênfase no primeiro decênio—, antecedentes familiares relacionados à condição, e a presença de comorbidades psiquiátricas como fobias, transtorno obsessivo-compulsivo e dependência alcoólica.

Por outro lado, os preditores negativos incluem a manifestação de distonia truncal e a coexistência de mioclonia de ação e distonia em uma mesma região anatômica. Estes últimos são fatores que tendem a diminuir a probabilidade de um estado mutacional positivo no gene SGCE.





Critérios Diagnósticos para Mioclonia-Distonia relacionada ao SGCE (Roze et al., 2018)


O diagnóstico de Mioclonia-Distonia relacionada ao SGCE deve ser considerado em indivíduos que apresentam mioclonia isolada ou predominante sobre distonia, com início na primeira ou segunda década de vida. A apresentação com distonia isolada é menos frequente. Critérios diagnósticos recentemente sugeridos para M-D exigem quatro critérios maiores e nenhum critério de exclusão, OU três critérios maiores, dois critérios menores e nenhum critério de exclusão.


Critérios Maiores


1. Mioclonia isolada ou predominando sobre distonia

2. Predominância das manifestações motoras na parte superior do corpo

3. Ausência de distonia truncal

4. História familiar positiva

5. Início antes dos 18 anos de idade


Critérios Menores


1. Transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno relacionado à ansiedade ou dependência de álcool

2. Remissão espontânea da distonia de membros durante a infância ou adolescência

3. Responsividade ao álcool


Critérios de Exclusão


1. Outras manifestações neurológicas além de mioclonia e/ou distonia (exceto convulsões, que podem estar presentes em alguns indivíduos com DYT-SGCE)

2. Exame de ressonância magnética cerebral anormal

3. Achados neurofisiológicos que não suportam o diagnóstico (definidos como contrações musculares com duração inferior a 300 ms que podem ocorrer em partes do corpo não afetadas pela distonia)


Patogênese


A patogênese da mioclonia-distonia é atribuída principalmente à disfunção das vias cerebelo-talâmicas. Estudos neurofisiológicos evidenciam anormalidades na adaptação de sacadas e no condicionamento do piscar dos olhos, ambos mediados por circuitos olivopontocerebelares. Adicionalmente, o consumo de álcool, que aumenta temporariamente a transmissão GABAérgica, e pode melhorar os sintomas, aponta para um déficit GABAérgico subjacente e disfunção das células de Purkinje. Parece haver anormalidades funcionais e estruturais no cerebelo parasagital, no tálamo posterior e no ponte inferior.

Além do cerebelo, os núcleos da base e o córtex também estão implicados. Pacientes com mioclonia-distonia exibem atividade neuronal anormal no globo pálido interno (GPi), caracterizada por descargas mais rápidas e curtas. Alterações na plasticidade estriatal e na excitabilidade dos neurônios corticais também foram observadas. Desregulações nos níveis de serotonina e dopamina no sistema nervoso central complementam o quadro patogênico.


Genética


O gene SGCE (epsilon-sarcoglicano) é indiscutivelmente associado à síndrome de mioclonia-distonia, embora mutações ou deleções intrônicas deste gene sejam observadas em apenas cerca de metade dos pacientes com o fenótipo típico. Isso reflete uma heterogeneidade genética que aumenta a complexidade nosológica. O SGCE é uma proteína de membrana ubíqua e faz parte do complexo glicoproteico associado à distrofina no cérebro. Embora seja amplamente expresso nos neurônios do SNC, particularmente no cerebelo, sua função exata permanece desconhecida.

A síndrome de mioclonia-distonia representa um desafio tanto para a prática clínica quanto para a pesquisa básica devido à sua heterogeneidade genética e fenotípica. Várias outras mutações genéticas, incluindo nos genes ADCY5, KCTD17, CACNA1B, RELN, entre outros, foram relatadas em pacientes com sintomas semelhantes, mas também com diferenças relevantes dos pacientes com mutações SGCE.


Tratamento


Diversas abordagens terapêuticas foram exploradas com resultados variáveis. Fármacos orais como benzodiazepínicos, que atuam mediante mecanismos GABAérgicos, mostraram melhora tênue ou nula nos sintomas. Outras terapias farmacológicas, incluindo levetiracetam, valproato e gabapentina, também foram investigadas, assim como agentes dopaminérgicos, com efeitos benéficos anedóticos em alguns casos. Poucos ensaios clínicos controlados foram realizados; no entanto, um estudo aberto com oxibato de sódio e um ensaio clínico cruzado e controlado com zonisamida revelaram melhorias tanto em mioclonia quanto em distonia.

A Estimulação Cerebral Profunda (DBS) emerge como uma opção eficaz para casos refratários à medicação, com alvos preferenciais no GPi e no VIM, mostrando melhorias substanciais nas pontuações de mioclonia e distonia. O procedimento se mostrou seguro e duradouro, sem a deterioração de sintomas psiquiátricos, salvo em um pequeno grupo submetido ao DBS do GPi.


Referência


Roze, E., Lang, A. E., & Vidailhet, M. (2018). Myoclonus-dystonia. Current Opinion in Neurology, 31(4), 484–490. doi:10.1097/wco.0000000000000577


Menozzi, E., Balint, B., Latorre, A., Valente, E. M., Rothwell, J. C., & Bhatia, K. P. (2019). Twenty years on: Myoclonus-dystonia and ε-sarcoglycan — Neurodevelopment, channel, and signaling dysfunction. Movement Disorders, 34(11), 1588-1601. https://doi.org/10.1002/mds.27822







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1 Comment





Olá. Sou portador da distonia mioclônica.

Hoje bem controlado. Com 5 medicações, mas controlado. (Mioclonias, tremor, TOC e quadro depressivo), mas levo a vida de boa.

Atrapalhou mais na adolescência, porém hoje bem melhor. Agora estou para ter filho e gostaria de saber se consegue evitar a transmissão do gene com FIV?


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