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Doenças Priônicas


As doenças priônicas representam um conjunto de patologias neurodegenerativas de elevada gravidade. Com longos períodos de incubação, são caracterizadas por uma progressão implacável após o surgimento dos sintomas clínicos.

As doenças priônicas são distúrbios neurodegenerativos transmissíveis, progressivos e fatais, associados à agregação de uma forma mal dobrada da proteína priônica (PrP). Caracterizadas por uma acúmulo de PrP com conformação patológica no sistema nervoso central, todas as doenças priônicas humanas envolvem uma forma auto-replicante patológica de PrP. Este processo é instigado por mudanças na estrutura terciária da proteína PrP, que se converte predominantemente em um padrão de folha-β por meio de processos pós-traducionais. A resultante forma hidrofóbica da proteína tende a aglomerar-se, originando subsequente oligomerização e formação de fibrilas amiloides. Estes agregados de PrPSc (isoforma scrapie da proteína priônica) são notavelmente resistentes a mudanças físicas e químicas, mantendo sua forma mesmo quando submetidos à fervura.


História das doenças priônicas


Historicamente, a primeira menção da doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) data de 1920 e 1921, quando os médicos Hans Gerhard Creutzfeldt e Alfons Maria Jakob descreveram uma "afeção muito intimamente relacionada, senão idêntica", em diversos pacientes. Kuru, outra doença priônica, ganhou notoriedade na primeira metade do século XX quando foi descrita em tribos canibais da Papua-Nova Guiné; atualmente, é considerada extinta.

Stanley Prusiner transformou o entendimento dessas doenças com a descoberta dos príons, proteínas infecciosas sem ácido nucleico, em um artigo fundamental de 1982. Ele introduziu o termo "príon" para justificar a singularidade dessas entidades em relação a patógenos convencionais. Sua inovadora contribuição foi reconhecida com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1997.

A forma mais recente de encefalopatia espongiforme transmissível, a DCJ variante (vDCJ), conhecida popularmente como "doença da vaca louca", foi identificada pela primeira vez em 1996 no Reino Unido, país que ainda ostenta o maior número de casos registrados.


Panorama das doenças priônicas humanas


No cenário clínico contemporâneo, múltiplas doenças priônicas humanas são reconhecidas, abrangendo condições como kuru, doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), sua variante (vDCJ), síndrome de Gerstmann-Sträussler-Scheinker (GSS), insônia familiar fatal (IFF) e prionopatia sensível a protease variável (VPSPr). Cada uma destas variantes exibe características patológicas e clínicas peculiares, tornando o diagnóstico e o manejo clínico desafiadores.


Mecanismos Patogênicos Centrais


No âmago da biologia da doença priônica encontra-se a proteína priônica (PrP), existente em duas conformações: a forma celular normal (PrP^C) e a forma patogênica ou isômera (PrP^Sc). A PrP^C é uma glicoproteína de membrana intrínseca ao cérebro humano normal e associada a múltiplas funções fisiológicas, como a homeostase de cobre. A PrP^Sc, por outro lado, é uma conformação mal dobrada de PrP^C, caracterizada por sua resistência à digestão por proteases e sua propensão a formar agregados de fibrilas amiloides.

A transmutação de PrP^C para PrP^Sc é considerada o evento crítico na patogênese das doenças priônicas. Contudo, a integral compreensão deste processo permanece ainda incompleta. Embora ambas as formas sejam glicosiladas, o papel desta modificação no processo da doença ainda é objeto de investigação científica.


Quadro clínico da doença de Creutzfeldt-Jakob


Os principais sintomas iniciais da DCJ abrangem sintomas como ansiedade, tontura, visão embaçada, astenia e comportamento atípico. O quadro clínico da CJD apresenta-se de forma heterogênea, sendo as mioclonias sinais importantes da doença, gatilhadas frequentemente por estímulos sensoriais (mioclonias reflexas) e presente na grande maioria dos casos.

Sintomas neuropsiquiátricos incluem demência rapidamente progressiva, alterações comportamentais e de humor, tais como apatia e depressão, além de déficits em funções corticais superiores, como apraxia, afasia e disfunções visuoespaciais (negligência espacial, síndrome de Balint). Em alguns pacientes, também se observam sintomas psicóticos, particularmente alucinações visuais.

Manifestações cerebelares como nistagmo e ataxia ocorrem em aproximadamente dois terços dos pacientes. Sinais de envolvimento do trato córtico-espinhal, incluindo hiperreflexia, sinal de Babinski e espasticidade, ocorrem em 40-80% dos casos. Sinais extrapiramidais, como parkinsonismo, com bradicinesia, distonia e rigidez, também podem ser observados.

A fase final da doença é marcada por mutismo acinético, um estado neurológico caracterizado pela ausência quase completa de atividade motora voluntária e habilidades verbais, embora o alerta possa estar parcialmente preservado. Este fenômeno é frequentemente associado a danos graves aos lobos frontais ou das vias de comunicação inter-hemisféricas. Nessa situação clínica, o paciente apresenta uma completa indiferença aos estímulos externos e uma notável incapacidade de iniciar movimentos ou fala, apesar da preservação parcial da vigília e da ausência de paralisia muscular primária.


Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) e seus critérios diagnósticos


A definição de critérios diagnósticos para a Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) foi elaborada para contemplar diferentes categorias da doença, incluindo formas esporádicas, iatrogênicas e familiares. A categorização é baseada em diretrizes da Organização Mundial de Saúde e do National CJD Research & Surveillance Unit.

Na forma esporádica da DCJ, o diagnóstico "definitivo" requer técnicas neuropatológicas padronizadas, imunocitoquímica, Western blot para proteína priônica resistente à protease (PrP) ou a presença de fibrilas associadas à scrapie.

O diagnóstico "provável" engloba um transtorno neuropsiquiátrico com resultado positivo no teste RT-QuIC no líquido cefalorraquidiano (LCR), ou demência rapidamente progressiva acompanhada de pelo menos duas características clínicas entre mioclonia, sinais visuais ou cerebelares, sinais piramidais/extrapiramidais e mutismo acinético. Além disso, deve-se obter um resultado positivo em pelo menos um dos seguintes exames laboratoriais: EEG típico, ensaio 14-3-3 no LCR em pacientes com duração de doença inferior a 2 anos, ou sinal elevado em imagens de ressonância magnética no núcleo caudado/putâmen ou em pelo menos duas regiões corticais.

Para o diagnóstico "possível", os critérios são semelhantes aos do "provável", mas sem resultados de testes laboratoriais positivos e com duração da doença inferior a dois anos.

Na DCJ iatrogênica, considera-se um síndrome cerebelar progressiva em um receptor de hormônio de hipófise derivado de cadáver humano ou DCJ esporádica com um risco de exposição reconhecido, como neurocirurgia com implante de dura-máter.

Já na DCJ familiar, o diagnóstico é estabelecido quando há DCJ "definitiva" ou "provável" em um parente de primeiro grau ou quando se identifica uma mutação específica no gene da PrP associada a um transtorno neuropsiquiátrico.


Diferenças entre a Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) e sua variante (vDCJ)


A DCJ clássica afeta predominantemente uma população mais idosa, com uma idade mediana de óbito de 68 anos e uma duração média da doença de 4 a 5 meses, e manifesta-se com sinais neurológicos precoces. Em contraponto, a vDCJ, ou encefalopatia espongiforme bovina, atinge indivíduos significativamente mais jovens, com uma idade mediana de óbito de 28 anos, e tem uma evolução clínica mais prolongada, estendendo-se por cerca de 13 a 14 meses, com sintomas psiquiátricos iniciais. Ademais, características patológicas e marcadores diagnósticos, como a presença de "placas floridas" e o "sinal do pulvinar" em ressonância magnética, são mais proeminentes na vDCJ.


Doença de Gerstmann-Sträussler-Scheinker


A síndrome de Gerstmann-Sträussler-Scheinker (GSS) é uma encefalopatia espongiforme transmissível de origem genética, apresentando uma incidência estimada de 1 a 10 casos por 100 milhões de habitantes por ano. Herdada em um padrão autossômico dominante com alta penetrância, a GSS pode ser causada por distintas mutações pontuais e inserções de repetições de octapeptídeos no gene PRNP. A mutação P102L é a mais comum, embora diversas outras já tenham sido identificadas. A neuropatológia é caracterizada pela presença de placas amiloides multicêntricas no córtex cerebral, núcleos da base, cerebelo e outras regiões encefálicas. Além disso, as propriedades bioquímicas da proteína priônica (PrP) são distintas das observadas na doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), sendo compostas por fragmentos truncados resistentes à protease nas terminações C e N.

Clinicamente, a GSS manifesta-se predominantemente por degeneração cerebelar progressiva e/ou parkinsonismo, frequentemente acompanhados por variados graus de demência em pacientes de meia-idade (idade média de 43 a 48 anos). As manifestações cerebelares incluem incoordenação motora, ataxia de marcha e outros sinais precoces como disestesia, hiporreflexia e fraqueza proximal nos membros inferiores. A presença de mioclonia é tipicamente ausente ou manifesta-se mais frequentemente em estágios avançados da doença. A expressão clínica da GSS é altamente variável, tanto entre como dentro das famílias afetadas, o que sugere a influência de fatores genéticos adicionais ainda não identificados. O curso da doença tipicamente avança por aproximadamente cinco anos até culminar em óbito.


Insônia familiar fatal


A insônia familiar fatal (FFI, do inglês Fatal Familial Insomnia) é uma doença priônica hereditária autossômica dominante causada pela mutação D178N no gene da proteína priônica (PRNP D178N), acompanhada pela presença de uma metionina no sítio polimórfico do códon 129 no alelo mutado. A FFI é caracterizada por um grave distúrbio do sono, disautonomia, sinais motores e comportamento anormal, juntamente com atrofia primária de núcleos talâmicos selecionados e olivas inferiores, e expansão para outras regiões cerebrais à medida que a doença progride.

O quadro clínico apresenta um início insidioso, geralmente entre os 36 e 62 anos de idade. Os sintomas iniciais não específicos incluem astenia, fadiga e distúrbios emocionais, como depressão e ansiedade, frequentemente acompanhados por insônia resistente a ansiolíticos. Este último é caracterizado por um padrão de sono agitado denominado agrypnia excitata, que também inclui disautonomia. Agrypnia excitata é uma síndrome caracterizada pela perda de sono e pela hiperativação motora e autonômica permanente. A interrupção do ritmo sono-vigília inclui o desaparecimento das atividades de fusos e da atividade delta, e na persistência do sono NREM estágio 1. O sono REM persiste, mas falha em se estabilizar, aparecendo em episódios curtos e recorrentes, isolados ou misturados com sono NREM estágio 1. A hiperatividade motora, autonômica e hormonal diurna e noturna é a segunda característica distintiva. A produção de norepinefrina está extremamente elevada em todas as horas do dia e da noite, enquanto o pico noturno de melatonina está ausente. O torpor onírico é provavelmente um sinal exclusivo da agrypnia excitata e consiste na recorrência de gestos estereotipados que imitam atividades simples da vida diária.

No decorrer do dia, os pacientes podem apresentar torpor semelhante a um sonho, com comportamento automático e amnésia, ou entrarem em um estado de torpor intenso, com alucinações. A disautonomia é onipresente, manifestando-se como distúrbios térmicos, taquicardia e disfunção erétil, seguidos de crises de hipertensão e perda de peso acentuada. Distúrbios motores, incluindo ataxia, tremor e mioclonia, são frequentemente observados em estágios iniciais. À medida que a doença progride, surgem déficits cognitivos globais e o paciente se torna completamente dependente, com uma sobrevida média após o início clínico de cerca de 12 meses. O curso da doença também é marcado por sinais piramidais e extrapiramidais, exacerbados pela progressão da enfermidade.


Exames para o diagnóstico de DCJ


Testes clínicos complementares são frequentemente utilizados na avaliação médica de DCJ. Os métodos não invasivos mais utilizados incluem eletroencefalografia (EEG), neuroimagem, análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) e, mais recentemente, RT-QuIC. A avaliação de tecido obtido por biópsia cerebral é quase sempre definitiva para o diagnóstico de Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis, mas este procedimento é altamente invasivo e muito raramente precisa ser realizado, sendo geralmente reservado para casos em que se deve excluir uma condição tratável.

No que concerne ao EEG, mais de 80% dos pacientes com casos típicos de DCJ esporádica apresentam alterações nos traçados, com complexos periódicos bifásicos e trifásicos. Em contrapartida, tais complexos são menos frequentemente observados em na DCJ familiar.


Neuroimagem por RM


A neuroimagem, por meio de ressonância magnética (RM) é particularmente útil para descartar doenças neurológicas não relacionadas a príons. Na DCJ esporádica, achados típicos envolvem anormalidades corticais cerebrais focais ou difusas, simétricas ou assimétricas, com a área perirolândica geralmente poupada. As sequências mais úteis para captar essas alterações são FLAIR e, primariamente, a Imagem Ponderada em Difusão (DWI)/ Coeficiente de Difusão Aparente (ADC). Anormalidades na intensidade do sinal podem variar ao longo do tempo.

Também se observa o envolvimento dos núcleos da base, com envolvimento particularmente do núcleo caudado e do putâmen, com um notável gradiente ântero-posterior. Novamente, as sequências FLAIR e DWI/ADC provam ser as mais informativas, exibindo aumentos progressivos tanto na extensão quanto no grau de anormalidades da intensidade do sinal conforme a doença avança.



De modo contrastante, o cerebelo frequentemente exibe atrofia, mas é tipicamente negativo para mudanças de sinal. Existem apenas alguns relatos que demonstram clara hiperintensidade DWI em regiões cerebelares. Notavelmente, hiperintensidades FLAIR/DWI na DCJ manifestam-se em três padrões principais: cortical e subcortical (45%–68%), predominantemente neocortical (24%–41%) e predominantemente subcortical (5%–12,5%). Portanto, essas características de neuroimagem oferecem informações indispensáveis para o diagnóstico de DCJ.


Líquido cefalorraquidiano


No que tange à análise de proteínas no LCR, a proteína 14-3-3 é comumente encontrada em níveis elevados tanto em pacientes com DCJ esporádica quanto variante. Outras condições como encefalite viral e acidente vascular cerebral recente também podem elevar os níveis desta proteína.

Real-time Quaking-induced Conversion (RT-QuiC)


O ensaio de Conversão Induzida por Agitação em Tempo Real (RT-QuIC, do inglês Real-time Quaking-induced Conversion) tem evoluído significativamente e já atende aos critérios de aplicabilidade para várias doenças priônicas em humanos e animais. O método permite a identificação altamente sensível (77-97%) e específica (99-100%) de pacientes com DCJ esporádica através da análise de líquido cefalorraquidiano ou de swab nasais. Avanços recentes aumentaram notavelmente a sensibilidade do ensaio e reduziram o tempo necessário para análise de muitas amostras para apenas algumas horas, em vez de dias. Ao combinar análises de líquido cefalorraquidiano e swabs nasais, é possível alcançar sensibilidades e especificidades diagnósticas de quase 100%.

O princípio do ensaio RT-QuIC baseia-se na formação de fibrilas amiloides induzidas por príons, utilizando proteína priônica recombinante (rPrPSen) em placas de múltiplos poços. A leitura é realizada por fluorescência com Tioflavina T, permitindo uma avaliação em tempo real da conversão da proteína priônica. Esta abordagem molecular altamente especializada representa um avanço significativo no diagnóstico de doenças priônicas.



Referências:


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