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Uso clínico da toxina botulínica em neurologia

Atualizado: 8 de out. de 2018


A toxina botulínica (BoNT-A), produzida pela bactéria Clostridium botulinum, é uma neurotoxina potente que bloqueia a liberação da Acetilcolina (ACh), principal neurotransmissor das sinapses neuromusculares, onde age com intensa afinidade e especificidade, inibindo a contração muscular[1-4]. Devido à sua ação desnervante, de maneira irreversível porém transitória (devido à formação de novas terminações nervosas após alguns meses), apresenta grande utilidade clínica nos quadros caracterizados pela hipercontratilidade muscular.


Sobre a toxina botulínica e suas formulações


Todos os medicamentos da classe disponíveis, no momento, para uso clínico no Brasil são extratos purificados de diferentes cepas do Clostridium botulinum sorotipo A5, sendo o sorotipo B disponível em outros países. A formulação habitualmente é um complexo protéico com peso molecular de 150 kDa ⎯ o que inclui apenas a neurotoxina ⎯ que pode estar associada a outras proteínas (como hemaglutininas e proteínas não-toxinas e não-hemaglutininas), atingindo um complexo de até 900kDa (Figura 01). As proteínas associadas não possuem ação farmacológica específica, ou seja, possuem função exclusivamente protetora para a estrutura principal da neurotoxina, podendo ser, no entanto, imunogênicas.


A neurotoxina botulínica per se é uma endoprotease dependente de zinco, composta por duas cadeias protéicas, uma de 100 kDa (cadeia pesada) e outra de 50 kDa (cadeia leve), unidas por uma ponte dissulfeto. A cadeia pesada é responsável pela seletividade e tropismo aos neurônios das placas motoras, e pela sua interiorização no axônio. A cadeia leve é responsável pela clivagem da proteína SNAP-25 (Synaptosomal-Associated Protein with 25kDa), uma das três proteínas do complexo SNARE (Soluble N-ethylmaleimide-sensitive fusion protein Attachment Receptors), o que impede a liberação da acetilcolina (ACh) na fenda sináptica, e resulta em relaxamento flácido da musculatura. Outros sorotipos de toxinas botulínicas agem nas outras duas proteínas que compõem o complexo SNARE, como por exemplo, a toxina botulínica tipo B, que age nas proteínas VAMP (Vesicle-Associated Membrane Protein)[6].



Figura 01 – Composição esquemática da molécula da neurotoxina botulínica tipo A

Mecanismo de ação molecular


O bloqueio da liberação da ACh (acetilcolina), de forma simplificada, envolve as seguintes etapas: após aplicação, o complexo protéico sofre clivagem quase instantânea, separando-se as proteínas associadas (hemaglutinina e não-toxina/não-hemaglutinina) da neurotoxina, que por sua vez passa por 4 etapas: (1) ligação de alta afinidade da cadeia pesada à membrana axonal pré-sináptica; (2) endocitose através da membrana celular, com formação de endossomo; (3) translocação da cadeia leve, do meio ácido do endossomo para o citosol do neurônio; (4) no citosol, a cadeia leve age clivando as proteínas SNAP-25, proteínas que ancoram as vesículas de ACh acumuladas no axônio com a membrana celular. Com a clivagem destas proteínas, há o bloqueio da liberação pré-sináptica da ACh [7,8].


Toxina botulínica como um produto biológico


Os distintos processos de cultura, extração, purificação e mensuração de potência das diferentes fabricações da neurotoxina se refletem em características farmacológicas próprias, tais como:


(a) Latência para início de ação diferente


(b) Duração de ação por intervalos distintos ⎯ o intervalo mínimo entre as aplicações é variável, não sendo recomendada a aplicação em intervalos menores que 10 semanas, por aumento da imunogenicidade e do risco de ineficácia por desenvolvimento de articorpos neutralizantes.


(c) Imunogenicidade diversa ⎯ a perda de resposta em virtude de anticorpos anti-toxina botulínica é rara, porém não negligenciável. A imunogenicidade é formulação-específica, ou seja, pacientes que apresentarem perda de resposta clínica a uma determinada formulação de neurotoxina podem ainda se beneficiar da troca para outro produto da classe.


Intercambialidade de doses


Os fabricantes do produto padronizaram metodologias diversas para mensuração da potência da neurotoxina, com diferentes ensaios (incluindo diferentes tipos de cobaias utilizados em cada teste), impedindo o uso de regras de conversão fixas entre as diferentes marcas comerciais [4-6]. A simplificação da conversão por regras fixas pode levar a sub ou super-efeito, aumentando efeitos colaterais ou eventualmente diminuindo eficácia.


Segundo a nomenclatura norte-americana, cada uma das neurotoxinas disponíveis sob autorização da Autoridade Regulatória daquele país (FDA – Food and Drug Administration), apresenta nomenclatura técnica própria, a saber:


- Toxina Onabotulínica A (ONA-BoNT-A - laboratório Allergan – nome comercial Botox®);

- Toxina Abobotulínica A (ABO-BoNT-A - laboratório Ipsen – nome comercial Dysport®);

- Toxina Incobotulínica A (INCO-BoNT-A - laboratório Merz – nome comercial Xeomin®);

- Toxina Rimabotulínica B (RIMA-BoNT-B - laboratório Solstice – nome comercial Myobloc®), única toxina botulínica do sorotipo B disponível para uso clínico, porém não registrada no Brasil, até o momento da publicação deste texto.

- Outros medicamentos a base de neurotoxina botulínica tipo A disponíveis no Brasil, Prosigne® e Botulift®, não se encontram registrados no Estados Unidos, razão pela qual não se encontra nomenclatura específica de seus princípios ativos feita pelo FDA.


Usos clínicos aprovados pelas Portarias SAS/MS 376 e 377 (2009)


O uso clínico da toxina botulínica no âmbito do Sistema Único de Saúde é autorizado e regulado pelas Portarias Ministeriais chamadas de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT). Publicadas em 2009, as referidas portarias embasam o uso para tratamento das condições classificadas na Classificação Internacional das Doenças, 10a edição, (CID-10), conforme as tabelas 02 e 03 abaixo.


O uso terapêutico neurológico da neurotoxina botulínica na Secretaria de Estado do DF acontece desde 1991, após a aprovação da primeira formulação pelas autoridades sanitárias nacionais. O parecerista que emitiu a avaliação técnica que levou a aprovação do uso da toxina botulínica no Brasil foi o Dr. Nasser Allam, membro do nosso Grupo de Estudos GETMov.


Espasticidade em Adultos e Pediátrica


Tabela 02 - Doenças que cursam com Espasticidade, estratificadas por CID10.


CID e Doença

G04.1 Paraplegia Espástica Tropical

G80.0 Paralisia Cerebral Espástica

G80.1 Diplegia Espástica

G80.2 Hemiplegia Infantil

G81.1 Hemiplegia Espástica

G82.1 Paraplegia Espástica

G82.4 Tetraplegia Espástica

I69.0 Seqüelas de Hemorragia Subaracnóidea

I69.1 Seqüelas de Hemorragia Intracraneal

I69.2 Seqüelas de Outras Hemorragias Intracranianas não Traumáticas

I69.3 Seqüelas de Infarto Cerebral

I69.4 Seqüelas de Acidente vascular cerebral não Especificado como Hemorrágico ou

Isquêmico

I69.8 Seqüelas de outras Doenças Cerebrovasculares e das não Especificadas

T90.5 Seqüelas de Traumatismo Intracraniano

T90.8 Seqüelas de outros Traumatismos Especificados da Cabeça


Fonte: Portaria SAS/MS número 377, de 10 de novembro de 2009 e RN 338- ANS de 21 de outubro de 2013.


Distonias focais e espasmo hemifacial


Tabela 03 - Doenças que cursam com Distonia focal ou Espasmo Hemifacial, estratificadas por CID10.


CID Doença

G24.0 Distonia Induzida por Drogas

G24.1 Distonia Familiar Idiopática

G24.2 Distonia Não Familiar Idiopática

G24.3 Torcicolo Espasmódico

G24.4 Distonia Oromandibular

G24.5 Blefaroespasmo

G24.8 Outras Distonias

G24.9 Distonia Não Especifica

G51.3 Espasmo Hemifacial


Fonte: Portaria SAS/MS número 376, de 10 de novembro de 2009 e RN 338- ANS de 21 de outubro de 2013.


Referências:


1. Naumann M, Toyka KV, Moore P. History and current applications of botulinum toxin -

from poison to remedy. Chapter 01 in Moore P, Naumann M. Handbook of botulinum toxin treatment. 2nd Ed - 2003. Blackwell Science.

2. Botulinum toxin: history of clinical development; Pharmacology of botulinum toxin drugs, in Manual of Botulinum Toxin Therapy. Edited by Truong D, Dressler D & Hallet M.

Cambridge University Press, 2009;

3. Koussoulakos S. Botulinum Neurotoxin: The Ugly Duckling. Eur Neurol 2009;61:331-342;

4. Dressler D, Benecke R. Pharmacology of therapeutic botulinum toxin preparations.

Disabil Rehabil. 2007 Dec 15;29(23):1761-8. Review;

5. Informe ANVISA / Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária - GFARM n° 06, de

20.07.2007;

6. Dressler D, Benecke R. Pharmacology of therapeutic botulinum toxin preparations.

Disability and Rehabilitation, December 2007; 29(23): 1761-1768.

7. Jankovic A. Botulinum toxin in clinical practice. J Neurol Psychiatry 2004; 75: 951-957.

8. Arnon SS, Schechter R, Inglesby TV, Henderson DA, Bartlett JG, Ascher MS, Eitzen E,

Fine AD, Hauer J, Layton M, Lillibridge S, Osterholm MT, O'Toole T, Parker G, Perl TM,

Russell PK, Swerdlow DL, Tonat K; Working Group on Civilian Biodefense. Botulinum

toxin as a biological weapon: medical and public health management. JAMA. 2001 Feb

28;285(8):1059-70. Review. Erratum in: JAMA 2001 Apr 25;285(16):2081.


 


 

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